Escrevi há algum tempo que...
Ao ouvir alguém encher a boca para falar em liberdade, cuidado! Talvez ele ou ela não esteja se referindo à liberdade regulada pelas leis no Estado democrático de direito. Mas à liberdade do "cada um faz o que quer". Exemplos?
Liberdade de divulgar notícias falsas...
Liberdade de dirigir em alta velocidade sem medo de multas...
Liberdade de continuar fazendo piadas com negros, gays e mulheres...
Liberdade de pescar e caçar em áreas que deveriam ser protegidas...
Liberdade de não seguir as orientações das autoridades de saúde...
Liberdade de desmatar...
Liberdade de andar por aí armado e usar sua a arma de acordo com seus próprios critérios...
Liberdade de cobrar preços abusivos...
e até...
Liberdade para atacar os direitos e as liberdades dos outros...
É dessa liberdade que o presidente Bolsonaro fala ao pregar o salve-se quem puder na pandemia de Covid-19, o que inclui a decisão de tomar ou não vacina e estender tal decisão a crianças que não podem escolher.
Pra começar, não é verdade que ninguém é obrigado a se vacinar: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/noticia/2020/09/02/e-fake-que-governo-nao-pode-obrigar-pessoas-a-se-vacinar-contra-covid-19.ghtml
Para indivíduos atomizados, pouco solidários, como esses que lotam as praias, chega a ser difícil de entender que existam problemas coletivos que requerem soluções coletivas. Debater vacinação como se fosse uma questão de liberdade individual é um luxo que somente existe justamente por causa de sistemas eficazes de vacinação.
No caso da Covid-19, nem esse luxo –conseguido a muito custo pela ciência– temos. Ao endossar discurso antivacina, Bolsonaro escandaliza, mas o faz estrategicamente: reforça conspirações anticientíficas com o intuito de roer o que resta de sistemas de solidariedade em matéria de saúde pública. Dentro do Cavalo de Troia antivacina, há um futuro individualista e, literalmente, doente.
É isso! O que não podemos é cair na armadilha dessas falsas polêmicas. A garantia das liberdades individuais é legítima e essencial. Mas em diversas situações o interesse coletivo se sobrepõe. As crises de saúde pública são um ótimo exemplo. Essa visão é uma conquista da humanidade, especialmente após a Segunda Guerra Mundial e não pode ser jogada no lixo.