quarta-feira, 23 de maio de 2012

Generosidade e profissionalismo

Escrevi recentemente aqui sobre a importância da generosidade e as formas pelas quais, no meu ponto de vista, essa qualidade se manifesta no dia a dia, em ações às vezes discretas. Passei ao largo dessa questão no ambiente de trabalho. Agora, acompanhando de perto a atuação das equipes médica e de enfermagem que cuidam de meus trigêmeos, que nasceram prematuros e ainda estão hospital, me dei conta de que a generosidade, se entendida corretamente, faz parte do que se convencionou chamar de profissionalismo. Explico. 

Capacidade técnica é condição para que alguém possa ser considerado um bom profissional, no mercado e pelos que interagem com ele (clientes e colegas, por exemplo). Mas aqueles que se destacam não param por aí. Têm algo mais, que também não se confunde com noções externas ao âmbito profissional, como o envolvimento emocional e o sacrifício pessoal. Acredito que a generosidade é esse elemento diferenciador. 

Quem trabalha com generosidade parte da perspectiva da abundância, não da escassez; dedica-se sem a preocupação constante em se poupar; sabe que é dando que se recebe (no sentido mais correto dessa ideia), estica o braço todo, não só metade. E essa característica está presente tanto na disposição para que o trabalho seja bem feito como em pequenos gestos de atenção, uma explicação dada com paciência, um parênteses que até pode dar algum trabalho, mas vai ajudar o leitor a entender o que está lendo. A generosidade se manifesta com especial relevância no trabalho em equipe, que predomina num número cada vez maior de empresas e situações. O bom profissional é aquele que sabe trabalhar com os colegas da forma mais produtiva possível, e não consigo imaginar como isso seja possível sem ser generoso na hora de compartilhar informações, por exemplo. 

É fundamental ressaltar que tudo isso não acontece às custas de sacrifício da vida pessoal, longas horas de trabalho ou sofrimento emocional. E, sem generosidade, mesmo o técnico mais perfeito é limitado, como uma chave de fenda muito útil, mas da qual não se pode esperar nada mais. Portanto, considero a generosidade intrínseca ao profissionalismo, em vez de algo externo a ele. 

Felizmente posso dizer que essa generosidade marca 90% dos enfermeiros e médicos que cuidam do meu trio. São profissionais que aliam capacidade técnica e esse algo mais.

Generosidade no dia a dia

Poucos temas me animam tanto quanto o da generosidade. Por isso, a coluna de Fábio Santos publicada aqui na segunda-feira veio bem a calhar: além de trazer informações novas e essenciais, me levou a perguntar por que nunca escrevi sobre isso e despertou em mim a vontade de organizar algumas reflexões. 

Não é de hoje que digo que a generosidade é a maior qualidade que alguém pode ter. Falo mais com o sentimento do que com a razão, admito, até porque não é fácil definir a generosidade a que me refiro. 

Há, evidentemente, a generosidade que se expressa pelos grande atos, mas que costumam ser efêmeros. É no dia a dia que a generosidade se expressa de forma mais genuína e deixa marcas mais perenes. Dividir o espaço público sem achar que está fazendo um favor. Parar alguns minutos, no meio da correria, e perguntar a um amigo sobre a evolução de um problema que ele está enfrentando. E o que dizer de um "muito obrigado" a alguém que não vai lhe dar nada em troca? Vale também um sorriso e a acolhida àquele novo colega de trabalho. 

A generosidade, acredito, é irmã da tolerância, e as duas, primas não muito distantes da paciência. Conviver com as diferenças, dar o benefício da dúvida, aceitar o erro do outro é ser generoso. Rir de si mesmo também: uma generosidade consigo mesmo que pode surtir mais efeitos positivos que um chocolate. Da terra fértil, se diz que é generosa; também o é aquele que assume a responsabilidade da paternidade. E se ser generoso é aceitar o erro, como fica isso quando se trata da educação dos filhos? Aí, por mais paradoxal que pareça, a generosidade está tanto na aceitação da falha como na disposição para repreender e ensinar o certo. Ao educar é um pouco de si que se dá; afinal, é trabalhoso e a criança vai ganhar mais no longo prazo do que você no curto prazo. Compartilhar o conhecimento é generosidade em estado puro; vale ouro, vale mais que ouro. O mesmo se aplica ao artista que leva a público suas obras, apesar da dor da criação. Por fim, também é possível ser generoso com o futuro, ao se deixar contaminar de certa dose de otimismo. 

Ser generoso é, enfim, ser humano, até pelo prazer (um tanto vaidoso, confesso) que o ato carrega.