sexta-feira, 6 de abril de 2012

A convivência no condomínio Brasil

Um olhar atento sobre uma série de fatos recentes sem relação aparente entre si revela, pelo menos no meu modo de ver, uma tendência clara sobre o que caracteriza o debate dominante na agenda brasileira desta segunda década do século 21. Qualquer observador seria capaz de apontar a redemocratização como o tema dominante da sociedade no final da década de 1970 e início da década de 1980. Em seguida, veio o combate à inflação. Agora, porém, a síntese não é tão evidente, mas ainda assim perceptível: são os direitos das minorias e as liberdades individuais que estão cada vez mais em pauta.

Se o país fosse um condomínio, não seria a forma de eleger o síndico ou as dificuldades do caixa do prédio que estariam despertando os debates acalorados na reuniões mensais, mas as regras de convívio, normas de comportamento, as obrigações e regalias de cada morador e assim por diante. No condomínio Brasil, temas como o cerco ao fumo nos locais públicos, reconhecimento da união estável entre pessoas de mesmo sexo, liberdade e convivência religiosa, espaço (literalmente) dos ciclistas nas vias públicas, limites (se é que deve haver) da liberdade de expressão e até a autonomia dos pais na criação dos filhos ocupam a ordem do dia. Não que sejam as prioridades da população (saúde, emprego e educação lideram), mas mobilizam as pessoas e geram discussões por vezes até bastante irracionais.

Ainda é cedo para saber que país surgirá dos processos em curso. Essa é uma história que vai se desenrolando em capítulos e nem sempre transcorre de forma linear. Um novo e importante capítulo acontece hoje, quando o Supremo Tribunal Federal decide se a chamada Marcha da Maconha é apologia ao crime ou exercício da liberdade de expressão.

O desafio pela frente é enorme, maior até do que quando se tinha uma ditadura militar como adversária comum. Trata-se da sociedade estabelecendo suas fronteiras internas, com grupos disputando legitimamente seus espaços. Os embates, portanto, são naturais. Só não deve haver vencedores e vencidos. A violência (física ou verbal) e a imposição de soluções podem deixar sequelas no longo prazo. É preciso avançar na direção de regras contemporâneas e, ao mesmo tempo, respeitar a diversidade e lembrar que, às vezes, ir devagar com o andor leva a transformações de sustentação mais sólida.