segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Sempre atento aos sinais...





 Mais do que nunca, precisamos ficar atentos e refletir sobre o que queremos para o futuro. Para isso, é essencial ter em mente que toda e qualquer ação tem consequências. Depois de um passo ou de um gesto, por mais insignificante que pareça isoladamente, vem outro passou ou gesto e logo se forma uma caminho. Tendemos a minimizar a importância de passos e gestos, por incapacidade ou medo que tentar antever o está à frente. 

Conselho de jornalista: ao acompanhar as notícias, se pergunte: essa ação, essa frase, essa atitude...pode ter alguma significado maior? Que caminho ela indica? A repetição desse padrão pode desaguar em que tipo de cenário? E assim por diante...

Aos poucos, é possível juntar os pontos e desenhar uma figura maior.

Por exemplo: há quase um mês a jornalista Miriam Leitão publicou um importante artigo chamado "Entre o grotesco e o perigoso". Não é difícil relacionar os alertas que ela faz o que mais recentemente vem se observando no cenário do meio ambiente, para ficar em um exemplo.

Veja a íntegra do artigo:

"...

Pense no que o presidente Jair Bolsonaro fez e falou de grotesco em 200 dias. Você só conseguirá se lembrar de tudo se recorrer a uma pesquisa. São tantas esquisitices diárias que a gente se esquece porque precisa cuidar da vida.

O presidente investiu contra radar, cadeira de criança, taxa cobrada em Noronha. Defendeu o trabalho infantil, disse que, sim, beneficiará filho seu, postou notícia falsa, deu visibilidade a uma cena escatológica no carnaval e tratou com escárnio valores fundamentais. Qualquer lista que for feita aqui ficará incompleta. O problema é que junto com atos e palavras sem noção há perigo real contra pessoas e instituições.

Governar um país não é comandar um programa humorístico. As palavras bizarro e tosco têm sido usadas com frequência, mas talvez devamos pensar mais na palavra perigo. Enquanto renova o estoque da “última de Bolsonaro”, a Presidência contrata o desastre em inúmeras áreas.

Os ataques ao meio ambiente são diários, a educação perdeu um semestre, o Brasil se aproximou na ONU de países párias nos direitos da mulher, o governo naturalizou a intolerância, suspendeu a fabricação de remédios essenciais, escalou a liberação de agrotóxicos, estimulou o preconceito, encurralou a cultura e esteve nas ruas com quem pediu fechamento do Congresso e do Supremo.

Enquanto tudo isso acontecia, a economia continuou em crise, a queda da atividade se aprofundou, o desemprego permaneceu alto, a confiança caiu. Há relação entre uma coisa e outra. Até agora o que se tem é um governo sem rumo em todas as áreas, inclusive na economia. Alguns integrantes da equipe econômica se dedicam ao extremo a determinadas ações, mas o governo tem apresentado miragens como se fossem projetos em andamento.

A lista de não eventos está cheia. De concreto, houve dois avanços em seis meses. A aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno na Câmara e o anúncio do acordo Mercosul-União Europeia. Na Previdência, o parlamento avançou a despeito da balbúrdia do governo. No acordo comercial há ainda uma longa estrada até virar realidade. Não se pode contar ainda como conquista consolidada. A falta de fatos concretos na administração Bolsonaro mantém nos agentes econômicos a desconfiança em relação à retomada do crescimento. Os investidores da economia real precisam de sinais mais sólidos.

Há perigos agudos. O ministro Ricardo Salles visitou madeireiros, foi aplaudido por eles e os elogiou no mesmo local onde duas semanas antes madeireiros haviam queimado um caminhão tanque do Ibama. Foi em Espigão D'Oeste, Rondônia. O combustível abasteceria três helicópteros que seriam usados para fiscalizar a retirada ilegal de madeira na Terra Indígena Zoró. Não houve a operação. Criminosos queimaram patrimônio público, retiraram madeira de terra protegida, ameaçaram um órgão do governo, abortaram uma ação de fiscalização. A extração ilegal de madeira é a principal suspeita. O ministro do Meio Ambiente deveria ter sido mais cauteloso ao ir ao local se solidarizar com os madeireiros.

A lista dos perigos é tão extensa quanto a das tosquices. É importante ficar atento. O governo Bolsonaro tem um padrão. Ele vai encurralando e desmoralizando os órgãos públicos. O que há de comum entre defensoria pública, Ibama, ICMbio, Itamaraty, Inpe, IBGE, Inep, Fiocruz, tantos outros, é que o governo tem tentado impedir que eles façam o seu trabalho.

De forma sutil ou ostensiva funcionários são neutralizados. Os contribuintes pagam os salários dos servidores para que eles exerçam funções específicas, e o governo tenta paralisar as atividades. É desperdício de um recurso público valioso e caro: o capital humano. Isso enfraquece o Estado nas funções que precisam ser fortalecidas.

Há áreas mais vulneráveis porque viraram os primeiros alvos, mas outros órgãos estão na mira. Para legitimar seus atos, o governo dirá que a reação de funcionários é corporativismo, quando é a saudável defesa da sua missão dentro do Estado. Depois de 200 dias não há mais como se enganar. O governo não é apenas incompetente. Ele está criando perigos reais para o país.

..."





quarta-feira, 14 de agosto de 2019

A ERA DO ACHISMO

O que palavras como iluminismo, liberalismo e ciclismo têm comum? 

O sufixo "ismo", que, no entanto, em cada um desses casos, e em muitos outros, tem um significado diferente. Um linha filosófica, um pensamento econômico, uma prática esportiva, por exemplo. 


De qualquer forma, o "ismo" sempre remete para algo coletivo, praticado ou compartilhado por um número significativo de pessoas. 


Agora o "achismo" pode ser incluído nessa categoria. Tornou-se, enfim, um "ismo" de respeito. 


O que antes era algo condenável, uma falha de argumentação, virou um recurso natural e aceitável. Um modelo em torno do qual muitos se aglutinam, com base em uma versão muito própria do que seria a liberdade de expressão.


Alguns até batizaram de pós-verdade, mas é o velho e bom achismo, potencializado pela força e pelo alcance das redes sociais. É a base da análise daqueles cuja capacidade de reflexão vai apenas até onde a vista alcance. Para o achista (praticante convicto e constante do achismo), vale a percepção individual, a experiência cotidiana, o entendimento já construído...trata-se de uma versão tosca do empirismo. A ciência, por exemplo, serve apenas para atrapalhar (um pouco) certezas solidamente erguidas. 


Elevado à condição de modelo de pensamento legítimo e socialmente aceito, o achismo inverte o ônus da prova. Cabe aos adeptos do conhecimento científico, por exemplo, demostrar os fatos e tentar convencer as pessoas de que são verdadeiros. O achista  expressa livremente sua opinião, sempre com jeitão de verdade absoluta. Se a opinião vai contra números e dados disponíveis, problema dos números e dos dados.


Mais do que isso: para o achista, e para aqueles que o seguem, falta aos estudos especializados uma qualidade essencial: não são autênticos e genuínos como a opinião que, nascida da ignorância, preserva sua pureza. Daí ser natural acusar os especialistas de sempre defenderem algum interesse escuso, seja ele partidário, ideológico ou classista.


Outra consequência da legitimação do achismo é a relativização do conhecimento que resulta do estudo e da pesquisa, assim como daqueles que detém e são referência desse conhecimento. No discurso dos achistas, os especialistas se tornam os "ditos especialistas".

Notem que o achismo avança também porque conta, em certa medida, com a conivência de muita gente. Onde deveria se apontar desinformação, mentiras e até fake news, o que se vê é um tanto de condescendência...aceita-se o achismo como base de argumentação quando declarações sem nenhuma base em dados são qualificadas apenas como polêmicas ou controvérsias. 

É preciso dizer com todas as letras que o achismo ameaça uma sociedade que deseje ter a educação, o conhecimento e a ciência com a base de seu crescimento e da busca de uma modelo mais justo de desenvolvimento. É preciso ter a coragem do menino da história da Roupa Nova do Imperador para dizer, em alto e bom som, que o Rei Está Nu.

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

É preciso discutir as desigualdades na Educação



Não teve a atenção merecida uma iniciativa das mais importantes da área da Educação recentemente: o lançamento do IDeA - Indicador de Desigualdades e Aprendizagens (www.portalidea.org.br).

O IDeA oferece, para todos os municípios brasileiros, um retrato do nível de aprendizagem dos estudantes da Educação Básica e, ao mesmo tempo, das desigualdades entre os diferentes grupos sociais, seja do ponto de vista de raça, gênero ou nível socioeconômico.

Desde meados da década de 1990, a Educação brasileira apresentou avanços importantes. Mas, se no âmbito geral, a evolução registrada ainda é insuficiente, no que diz respeito às desigualdades, a situações segue urgente.

O professor Francisco Soares, ex-presidente do Inep e um dos maiores especialistas do país em avaliação educacional, está à frente da equipe que desenvolveu o indicador. Sobre a importância do tema, ele é categórico:

“É preciso colocar a ideia de desigualdade no centro do debate educacional porque não interessa, em um país como o nosso, termos poucos que sabem muito e muitos que sabem pouco”. Ou, em outras palavras, "qualidade para poucos, não é qualidade".

Entre no site...(www.portalidea.org.br)..conheça mais....veja qual o quadro educacional de sua cidade, de seu estado, de sua região...



quarta-feira, 17 de julho de 2019

10 DESTAQUES DO ANUÁRIO BRASILEIRO DE EDUCAÇÃO BÁSICA 2019


Nos últimos tempos, o debate em torno da Educação brasileira tem sido contaminado pela desinformação, por mitos de todas as espécies e por falsas polêmicas. Daí a importância de buscar, sempre, dados objetivos e fontes confiáveis nessa área.

Nesse sentido, o Anuário Brasileiro de Educação Básica é uma das mais referências de consulta para jornalistas, pesquisadores e gestores públicos. Em seu oitava edição, a publicação tem a vantagem adicional, este ano, de disponibilizar,na maior parte dos nossos gráficos e das tabelas, números de 2018.

Com certo atraso, já que o Anuário foi lançado no final de junho, fiz aqui um síntese de 10 destaques desta edição.

1)  Educação Infantil
Se há uma boa notícia no cenário da Educação é a evolução da Educação Infantil, etapa essencial para a trajetória escolar das crianças.
Em meados da década de 1990, menos da metade das crianças de 4 a 5 anos frequentavam a escola. Em 2017, esse percentual chegou a 97%.
A maior atenção à primeira infância se reflete no Ideb dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o único que está dentro do esperado pela meta parcial de 2017. 

2)  Ensino Médio
Há cada vez mais jovens frequentando a escola. O Anuário aponta que o percentual de jovens de 15 a 17 anos que frequentam a escola segue aumentando, tendo alcançado a taxa de 91,5% em 2018. 
No entanto, é muito importante observar a distância entre a taxa de atendimento, ou seja, o total de jovens na escola, e a taxa líquida de matrícula, o percentual de jovens cursando o ano/série correspondente à idade. Esta também vem crescendo, mas ainda está bem abaixo da meta do Plano Nacional de Educação (PNE).

3)  Desigualdades
As desigualdades sociais, reproduzidas nas diversas dimensões do sistema educacional brasileiro, do acesso à qualidade do aprendizado, devem ser uma prioridade. Infelizmente, saíram totalmente do radar do atual governo e, em grande medida, da própria sociedade...o que é ainda pior.
Em 2018, 75,3% dos jovens brancos de 15 a 17 anos estavam matriculados na etapa. Já entre os jovens pretos da mesma faixa etária, esse percentual era de 63,6% - uma diferença de 11,7 pontos percentuais.

4)  Distâncias regionais
As desigualdades também estão presentes nos resultados e nos resultados entre diferentes estados e municípios. Por exemplo: Enquanto um município localizado no Rio Grande do Sul destinava cerca de R$ 19,5 mil por aluno em 2015, havia outro município no Maranhão dispondo de apenas R$ 2,9 mil.

5) Professores
Como bem destaca o Todos pela Educação:
Um dos maiores desafios para avançar na qualidade da Educação é a falta de um conjunto de políticas docentes que atuem na formação, carreira e condições de trabalho dos professores. Em 2018, o rendimento médio dos docentes da Educação Básica com curso superior (R$ 3.823,00) correspondeu a 69,8% do que ganhavam, em média, outros trabalhadores com mesmo nível de escolaridade (R$ 5.477,05). Em 2012, essa proporção era de 60,8%.

Em relação à formação dos professores, desde 2012, não há aumento significativo no número de docentes com formação adequada para as disciplinas que lecionam. Isto significa que há aulas de matemática - por exemplo - sendo ministradas por docentes que não têm formação na área. As taxas permanecem preocupantes: em 2018, 48,7% dos docentes dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) tinham formação adequada, um crescimento de 5,1 pontos percentuais em comparação a 2012. Já no Ensino Médio, essa taxa era de 56,3% - um aumento de 5,4 pontos percentuais nos últimos seis anos.ços

6) Educação Profissional Técnica e Ensino Integral
Dois temos dos quais muito tem se falado...mas o números mostram que os avanços são tímidos.
No Ensino Integral, por exemplo, aumentou a distância em relação meta à meta do PNE,  invertendo as tendências verificadas em anos anteriores. Os dados de 2018 mostram queda de 35,4% das matrículas nos Anos Iniciais e de 30,8% nos Anos Finais do Ensino Fundamental, em relação a 2017.

7) Aprendizado
O direito à Educação de qualidade ainda está longe de ser assegurado e se configura no desafio mais urgente. Menos da metade dos alunos atingiram níveis de proficiência considerados adequados ao fim do 3º ano do Ensino Fundamental em Leitura e Matemática. Na Escrita, os níveis de proficiência também estão distantes do razoável: 33,8% dos alunos encontram-se em níveis insuficientes. 
Quando os dados são discriminados por renda, o tamanho do desafio aumenta. Apenas 14,1% das crianças do grupo de Nível Socioeconômico (NSE) muito baixo possuem nível suficiente de alfabetização em Leitura. Esse patamar é alcançado por 83,5% das crianças do grupo de NSE muito alto. Assim, também, 29,8% das crianças da zona rural possuem nível suficiente de alfabetização em Leitura, enquanto isso ocorre com 47,7% das crianças que estudam na zona urbana.

8) Ideb
O Anuário também mostra que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) segue avançando nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, com ritmo mais lento nos Anos  Finais. No Ensino Médio, o cenário é de estagnação.

9) Educação Superior
A inserção na Educação Superior continua em elevação. Em 2018, a proporção de matrículas na etapa era de 44,2%, acréscimo de 3,9 pontos percentuais sobre 2017. 
No que se refere à taxa líquida de matrículas, houve crescimento de 1,9 ponto percentual: 19,9%, em 2017, para 21,8%, em 2018.

10) Retrato do Brasil
Por fim, vale destacar alguns pontos do interessantíssimo infográfico Brasil, que faz parte do Anuário, e traz um retrato bem abrangente:
  • A escolaridade média da população entre 18 e 29 anos está em 11,3 anos, mas é bem menor na área rural (9,6);
  • O número de crianças e jovens fora da escola continua caindo, mas ainda é de quase 1,5 milhão;
  • 80% dos professores da Educação Básica têm Ensino Superior completo;
  • De cada 100 estudantes que ingressam na escola, apenas 64 concluem o Ensino Médio aos 19 anos. 

Você pode fazer o download do Anuário neste link, do Todos Pela Educação.

Se tiver alguma dúvida ou quiser trocar ideias sobre os indicadores da Educação, fique à vontade para comentar este post ou mesmo me enviar email: fernandole06@gmail.com



segunda-feira, 15 de julho de 2019

Uma ideia puxa outra


Para quem ficar curioso sobre o nome deste blog, republico aqui o texto da minha coluna no jornal Destak que explica um pouco...





Ainda me surpreendo com a forma como, de vez em quando, ideias cruzam meu caminho, quase ao mesmo tempo, e parecem ser partes de um só recado. A aparente coincidência pode ser fruto da atenção redobrada a que me habituei por conta da responsabilidade de escrever aqui semanalmente. Ou não, vai saber. 

Recentemente, por exemplo, encontrei em um artigo sobre gestão de empresas e inovação uma constatação interessante: a vida da maioria das pessoas é determinada por poucos acontecimentos. Na maior parte do tempo, seja no trabalho seja nas relações pessoais, nada acontece. Melhor assim. Não tem coração ou estrutura psíquica que aguente um sucessão ininterrupta de fatos de grande magnitude. 

Dias depois, deparei com palavras (brilhantes) de Guimarães Rosa que complementavam a ideia (um tanto prosaica, é verdade) do artigo sobre gestão: "Tudo, aliás, é a ponta de um mistério. Inclusive, os fatos. Ou a ausência deles. Duvida? Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo". Está no conto "O Espelho", que faz parte do livro Primeira Estórias. 

Pronto, formava-se uma ideia maior, digna de alguma reflexão. Na superfície, as águas são geralmente calmas, o que nos permite navegar com segurança no dia a dia. É nas profundezas (mais ou menos misteriosas, dependendo da forma como se encara a vida) que se formam os eventos determinantes e que, mais cedo ou mais tarde, acabam vindo à tona. O milagre a que se refere o escritor mineiro está, provavelmente na possibilidade do inesperado, do imprevisto. Faz sentido? Não apenas faz muito sentido, acredito, como pode levar a mudanças importantes de atitude no cotidiano que muitos acusam de tedioso. A ausência de acontecimentos, geralmente motivo de ansiedade e impaciência, passa a ser vista de outra forma, bem diferente, quando se considera a possibilidade de os acontecimentos simplesmente não estarem ao alcance da visão ou do controle que inadvertidamente ainda almejamos. 

Paciência é a palavra certa para a dinâmica que brota dessas duas ideias associadas. Paciência, aliás, que não se confunde com resignação ou paralisia. Mas essa é outra história. Uma ideia puxa outra, mas o espaço da coluna é limitado.

quinta-feira, 11 de julho de 2019

Sabias palavras de Gilberto Gil

Gilberto Gil, no blog Inconsciente Coletivo, do portal do Estadão:
"Numa civilização ainda não inteiramente voltada para as promessas do futuro, parcialmente entregue ao anacronismo sócio-político-econômico do passado colonial e neocolonial, tentada a embarcar num arcaico populismo sedutor sob as bênçãos de uma democracia vacilante, o Brasil teima em contrariar nossas expectativas de um novo salto civilizacional.
Esboça-se, pela primeira vez em nossa história, o temor de que a redenção brasileira esteja lidando, não apenas com mais um adiamento, mas com o fantasma de uma terrível impossibilidade. Estamos com medo do futuro. Isso é inédito."

Documento histórico assinado por ex-ministros da Educação



Reunidos em São Paulo no início de junho, ex-ministros da Educação se manifestaram sobre os rumos da Educação no atual governo. Alguns conceitos dão sustentação a esta iniciativa e tornam o texto fundamental: na Educação, os resultados são obtidos no longo prazo e, por isso mesmo, a continuidade das políticas públicas são decisivas; dos anos 1990 para cá, construiu-se uma consenso bastante abrange da linha a ser seguida pela gestão pública do ensino; o país precisa avançar muito mas não pode ignorar os avanços das últimas décadas e tirar o foco das questões essenciais, perdendo tempo com disparates que só servem para gerar e alimentar mitos. Vale a leitura, assim como vale conhecer melhor os números da Educação brasileira. Veja a integra do documento: Nós, ex-ministros da Educação que servimos o Brasil em diferentes governos, externamos nossa grande preocupação com as políticas para a educação adotadas na atual administração. Nas últimas décadas, construiu-se um consenso razoável sobre a educação, que se resume numa ideia: ela é a grande prioridade nacional.

Contingenciamentos ocorrem, mas em áreas como educação e saúde, na magnitude que estão sendo apresentados, podem ter efeitos irreversíveis e até fatais. Uma criança que não tenha a escolaridade necessária pode nunca mais se recuperar do que perdeu. A morte de uma pessoa por falta de atendimento médico é irreparável. Por isso, educação e saúde devem ser preservadas e priorizadas, em qualquer governo.

Uma educação pública básica de qualidade forma bem a pessoa, o profissional e o cidadão para desenvolverem, com independência e sem imposições, suas potencialidades singulares.

A educação é, ainda, crucial para o desenvolvimento social e estratégico da economia do Brasil. A economia não avança sem a educação, que é a chave para nosso país atender às exigências da sociedade do conhecimento.

O consenso pela educação como política de Estado foi constituído por diferentes partidos, por governos nas três instâncias de poder, fundações e institutos de pesquisa, universidades e movimentos sociais ou sindicais. Em que pesem as saudáveis divergências que restaram, foi uma conquista única, que permitiu avançar no fortalecimento da educação infantil, na universalização do ensino fundamental, na retomada da educação técnica e profissional, no esforço pela alfabetização e educação de adultos, na avaliação da educação em todos os seus níveis, na ampliação dos anos de escolaridade obrigatória com aumento expressivo das matrículas em todos os níveis de ensino, na expansão da pós-graduação, mestrado e doutorado e, consequentemente, na qualidade da pesquisa e produção científica realizada no Brasil.

É impressionante que, diante de um assunto como a educação que conta com especialistas e estudiosos bem formados, o governo atue de forma sectária, sem se preocupar com a melhoria da qualidade e da equidade do sistema, para assegurar a igualdade de oportunidade.

Em nenhuma área se conseguiu um acordo nacional tão forte quanto na da educação. A sociedade brasileira tomou consciência da importância dela no mundo contemporâneo.

Numa palavra, a educação se tornou a grande esperança, a grande promessa da nacionalidade e da democracia. Com espanto, porém, vemos que, no atual governo, ela é apresentada como ameaça.

Concordamos todos que a educação básica pública deve ser a grande prioridade nacional, contribuindo para superar os flagelos da desigualdade social gritante, da falta de oportunidades para os mais pobres e do atraso econômico e social. Ela implica o aprimoramento da formação dos professores, do material didático, a constante atenção à Base Nacional Curricular Comum, a valorização das profissões da educação, inclusive no plano salarial, a reforma do ensino médio, o aperfeiçoamento da gestão educacional, a construção de diretrizes nacionais de carreira de professores e diretores do ensino público. Requer a constante inovação nos métodos, deslocando-se a ênfase no ensino para a aprendizagem, que deve ser o centro de todos os nossos esforços.

Exige também o empenho na educação infantil e na alfabetização na idade certa, a melhora das escolas e dos laboratórios e bibliotecas e, mais que tudo, o respeito à profissão docente, que não pode ser submetida a nenhuma perseguição ideológica. A liberdade de cátedra e o livre exercício do magistério são valores fundamentais e inegociáveis do processo de aprendizagem e da relação entre alunos e professores. Convidar os alunos a filmarem os professores, para puni-los, é uma medida que apenas piora a educação, submetendo-a a uma censura inaceitável. Tratar a educação como ocasião para punições é exatamente o contrário do que deve ser feito. Cortar recursos da educação básica e do ensino superior, no volume anunciado, deixará feridas que demorarão a ser curadas.

Não menos importante é o fortalecimento da cooperação e da colaboração entre União, Estados, Municípios e o Distrito Federal e o respeito à autonomia das redes, como determinam a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a própria Constituição Cidadã de 1988. Não podemos ignorar o Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade pelo Congresso

Nacional, os Planos Estaduais e os Planos Municipais de Educação, já pactuados entre a sociedade, os governos e a própria comunidade escolar. Ele decorre de iniciativas que já vinham de longe, como o Plano Decenal de Educação para Todos (1993/2003), elaborado pelo MEC com apoio dos estados, dos municípios, do Distrito Federal, de entidades representativas da área educacional e que atendia a compromisso internacional assumido pelo Brasil na Conferência realizada em 1990 em Jomtien (Tailândia), de que o Brasil participou, promovida pela UNESCO, pelo UNICEF, pelo PNUD e pelo Banco Mundial.

Enfim, e para somar esforços em vez de dividi-los, é indispensável que se constitua e se organize um efetivo Sistema Nacional de Educação.

Ademais, a prioridade à educação básica demanda que cresçam os repasses do governo federal para os estados e municípios, responsáveis pelo ensino infantil, fundamental e médio, sendo prioridade a renovação e, se possível, ampliação do FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, que expira em 2020. Sem ele, a situação do ensino nos municípios e estados mais pobres, que já é inadequada, se tornará desesperadora.

No tocante à expansão do ensino superior, é fundamental se assegurar o ingresso e permanência dos estudantes, especialmente dos egressos das escolas públicas e das famílias de baixa renda. O ensino superior necessita ter qualidade, o que requer tanto constantes avaliações quanto recursos, garantindo seu papel insubstituível na formação de profissionais qualificados para um mercado de trabalho cada vez mais exigente, impactado pelos desafios das inovações e das novas tecnologias. A autonomia universitária é uma conquista que deve ser mantida para garantir a liberdade e qualidade na pesquisa, formação e extensão.

O Brasil dispõe, hoje, de uma lista de políticas devidamente estudadas e estruturadas, de medidas e instrumentos que permitem progredir significativamente na educação. Nada disso é ou será fácil, mas o consenso obtido e o aprimoramento das medidas clamam pela junção de esforços em prol de uma educação que se equipare, em qualidade, à dos países mais desenvolvidos.

Muito tem de ser feito, tudo pode ser aprimorado, mas a educação depende da continuidade ao que já foi conseguido ou planejado. Educação é política de Estado: nada se fará se a ênfase for na destruição das conquistas, no desmonte das políticas públicas implementadas e no abandono dos planos construídos pela cooperação entre os entes eleitos e a sociedade.

Vimos a público defender esta causa estratégica para as futuras gerações e propomos a formação de uma ampla frente em defesa da educação. Nós, neste momento, estamos constituindo o Observatório da Educação Brasileira dos ex-ministros da Educação, que se coloca à disposição para dialogar com a comunidade acadêmica e científica, sociedade e entidades representativas da educação, com parlamentares e gestores, sempre na perspectiva de aprimorar a qualidade da política educacional.

Assinam este documento os ex-ministros da Educação:
José Goldemberg
Murílio Hingel
Cristovam Buarque
Fernando Haddad
Aloizio Mercadante
Renato Janine Ribeiro

Uma luz sobre os tempos que vivemos

Obrigatória a entrevista à Folha de Edgar Morin, um dos maiores pensadores vivos, e que, em julho, completa 98 anos.
Alguns trechos:
...Meu esforço nas minhas obras é tentar efetivamente esse pensamento. O que estamos vivendo? O que está acontecendo? Para onde estamos indo? Claro que não posso fazer profecias, mas vejo o risco nas possibilidades que se abrem diante de nós.
...A menos que as pessoas tomem consciência da comunidade de destino dos humanos sobre a Terra, as pessoas se fecharão em suas identidades religiosas, étnicas etc. Vivemos um período obscuro da história, a única consolação é que esses períodos obscuros não são eternos.
...A religião ganha onde a democracia falha, a revolução fracassa, o mundo moderno falha. A religião triunfa no fracasso da modernidade.
...Há um demônio em mim, uma força no meu interior de intensa curiosidade. Eu conservei uma curiosidade da infância.
...Mais do que sucumbir à incerteza, que nos dá angústia e medo, e que nos leva a buscar culpados e bodes expiatórios, é preciso enfrentar a incerteza com coragem, com ideias humanistas de fraternidade. As ciências acharam formas de encontrar certezas em incertezas. Eu digo sempre que a vida é uma navegação num oceano de incertezas passando por arquipélagos de certezas.

Retrocesso brasileiro na ONU


Jamil Chade é correspondente na Europa há duas décadas e tem seu escritório na sede da ONU em Genebra. Em seu blog na plataforma UOL, e também em reportagens para o portal, tem oferecido relatos contundentes sobre os retrocessos do país no que diz respeito à sua atuação nos órgãos das Nações Unidas.

Veja nos quatro links abaixo:

https://noticias.uol.com.br/reportagens-especiais/novo-dicionario-do-itamaraty/

https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/07/11/brasil-se-alia-a-islamicos-em-temas-de-sexo-e-familia-na-onu/

https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/06/27/a-diplomacia-teologica-brasileira-um-relato-de-um-dia-na-onu/

https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/06/27/brasil-veta-termo-genero-em-resolucoes-da-onu-e-cria-mal-estar/