quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Vacinas e a (falsa) questão da liberdade individual


 Escrevi há algum tempo que...
 

Ao ouvir alguém encher a boca para falar em liberdade, cuidado! Talvez ele ou ela não esteja se referindo à liberdade regulada pelas leis no Estado democrático de direito. Mas à liberdade do "cada um faz o que quer". Exemplos?
Liberdade de divulgar notícias falsas...
Liberdade de dirigir em alta velocidade sem medo de multas...
Liberdade de continuar fazendo piadas com negros, gays e mulheres...
Liberdade de pescar e caçar em áreas que deveriam ser protegidas...
Liberdade de não seguir as orientações das autoridades de saúde...
Liberdade de desmatar...
Liberdade de andar por aí armado e usar sua a arma de acordo com seus próprios critérios...
Liberdade de cobrar preços abusivos...
e até...
Liberdade para atacar os direitos e as liberdades dos outros...

É dessa liberdade que o presidente Bolsonaro fala ao pregar o salve-se quem puder na pandemia de Covid-19, o que inclui a decisão de tomar ou não vacina e estender tal decisão a crianças que não podem escolher.

Pra começar, não é verdade que ninguém é obrigado a se vacinar: https://g1.globo.com/fato-ou-fake/coronavirus/noticia/2020/09/02/e-fake-que-governo-nao-pode-obrigar-pessoas-a-se-vacinar-contra-covid-19.ghtml

O mais importante, porém, é o que levanta Thiago Amparo, professor da FGV Direito SP, em artigo na Folha de S. Paulo (https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/09/presidente-usa-liberdade-individual-para-legitimar-discurso-anticientifico.shtml).

O fala de Bolsonaro é mais um exemplo do movimento que assola o mundo é caracteriza pelo negacionismo, pelo combate à ciência, pelo disseminação de fake news, pelo divisionismo e pelo ódio.  Ao mesmo tempo, tenta-se legitimar  isso tudo com uma retórica de liberdade e moral...na verdade, trata-se de um movimento autoritário que ameaça a democracia e os avanços civilizatórios das décadas recentes. 

 Escreve o professor:

Para indivíduos atomizados, pouco solidários, como esses que lotam as praias, chega a ser difícil de entender que existam problemas coletivos que requerem soluções coletivas. Debater vacinação como se fosse uma questão de liberdade individual é um luxo que somente existe justamente por causa de sistemas eficazes de vacinação.

No caso da Covid-19, nem esse luxo –conseguido a muito custo pela ciência– temos. Ao endossar discurso antivacina, Bolsonaro escandaliza, mas o faz estrategicamente: reforça conspirações anticientíficas com o intuito de roer o que resta de sistemas de solidariedade em matéria de saúde pública. Dentro do Cavalo de Troia antivacina, há um futuro individualista e, literalmente, doente.

É isso! O que não podemos é cair na armadilha dessas falsas polêmicas. A garantia das liberdades individuais é legítima e essencial. Mas em diversas situações o interesse coletivo se sobrepõe. As crises de saúde pública são um ótimo exemplo. Essa visão é uma conquista da humanidade, especialmente após a Segunda Guerra Mundial e não pode ser jogada no lixo.