quarta-feira, 6 de junho de 2012

Você sabe para onde vai seu voto?

O assunto desta coluna talvez já seja de domínio de parte dos leitores. Encontro, porém, com bastante frequência, quem não saiba dizer com precisão como funciona o sistema eleitoral por meio do qual são compostas a Câmara dos Deputados, as assembleias legislativas nos Estados e a Câmara Distrital do DF. Um sistema, alías, que precisa de uma reforma urgente, já tantas vezes adiada, para melhor refletir a vontade do eleitor.

A eleição do presidente da República e dos governadores dos Estados é simples: ganha o candidato com mais votos. É o chamado sistema majoritário, que também elege os senadores.

Para as câmaras e assembleias legislativas, vale, no entanto, o sistema proporcional, em que as vagas são distribuídas entre os partidos na proporção dos votos obtidos por eles.

Imagine que você quer mandar para a câmara o Manoel, do PX. Ao votar nele, seu voto vai primeiro para o partido e, depois, para o candidato. Se o voto carregasse uma mensagem, ela seria mais ou menos a seguinte: quero eleger um deputado do PX e, se o PX eleger apenas um candidato, quero que seja o Manoel.

Fechadas as urnas e contados os votos, calculam-se a quantas cadeiras no parlamento cada partido terá direito. Essa é a primeira função do voto: determinar a divisão das vagas entre os partidos. Em seguida, ordenar, dentro de cada partido, os mais votados. Assim, primeiro são somados os votos dados ao PX. Se esse partido conseguir eleger dez deputados, o Manoel tem de estar entre os dez mais votados do PX para conseguir uma vaga em Brasília.

É fundamental que o eleitor entenda isso e fique atento. Ao votar no Manoel, você ajudará a eleger outros candidatos do PX, que talvez nem conheça direito. Portanto, além de analisar o candidato, é preciso analisar o partido.

E mais: se o partido está coligado com outros, o raciocínio descrito acima vale para a coligação. Ou seja, o voto em um deputado de um partido da coligação vai contar para determinar com quantas vagas fica a coligação toda.

Nessa eleição em que muita gente está de olho no histórico dos candidatos na Justiça, não adianta muita coisa votar num candidato "ficha limpa" se o partido dele não filtrar os postulantes. No final das contas, esse voto pode ajudar a eleger um "ficha suja".

STF à espera do juiz inexistente


O escritor Italo Calvino introduziu no universo da literatura mundial a figura do cavaleiro inexistente. Agilulfo Emo Bertrandino dos Guildiverni e dos Atri de Corbentraz e Sura é só armadura (e uma voz metálica). Mas uma armadura impecavelmente branca. Serve ao rei Carlos Magno cultivando a perfeição: segue todas as regras, tem todas as respostas, corrige os colegas e está sempre com a razão.

Tão fantástico quanto a obra de Calvino, que por razões literárias beira o absurdo, foi o rumo tomado pelo julgamento da Lei Ficha Limpa no Supremo Tribunal Federal, na madrugada de sexta-feira. Diante do empate em 5 a 5, bastante previsível, antecipado pela imprensa, os ministros simplesmente não sabiam o que fazer, ou não tiveram coragem de fazer o que tinha de ser feito. Hoje, voltam a se debruçar sobre a questão, mas os prognósticos não são animadores.

O que abriu caminho para o empate foi a falta de um ministro, deixando o tribunal com número par de juízes. Após a aposentadoria de Eros Grau, o presidente Lula ainda não indicou seu substituto. Mas isso já era sabido, assim como as posições dos ministros eram conhecidas dias antes. Ninguém se preparou para o pior.

Despidos em parte do formalismo que caracteriza os debates no STF, os ministros protagonizaram cenas patéticas. Chegou-se a dizer que o pior que poderia acontecer, caso o julgamento fosse suspenso até a nomeação do novo juiz, era que os eleitos não fossem diplomados, como se isso não envolvesse o voto e a vontade do eleitor.

Nenhum dos lados queria abrir mão de sua posição e discutiam os encaminhamentos deixando transparecer a influência do medo da derrota. Parte substancial da responsabilidade cabe ao presidente do tribunal, que está ali para conduzir os trabalhos. Além de não deixar clara sua posição sobre que regras o tribunal deveria seguir naquela situação, Cezar Peluzo se negou a dar o voto de desempate, esquecendo que muitas vezes decidir não é um direito, mas um dever. Ignorou-se que a indecisão jogaria a eleição, ao menos em parte, no vácuo legal.

Ao final, defendendo que o tribunal esperasse pelo novo ministro, Peluso alegou que qualquer decisão naquele momento pareceria falsa. Ou seja: mais do que o 11º voto, o juiz inexistente que todos esperavam que chegasse em sua armadura virginal restituiria ao tribunal o mito da verdade absoluta e objetiva e devolveria aos ministros o direito ao sono dos justos.



O rei e eu



Precisei de uns anos a mais de idade e muitos fios de cabelo a menos para assumir desavergonhadamente que gosto das canções de Roberto Carlos. Nem é necessário dizer que assisti ao show de seus 50 anos de carreira no Maracanã, sábado, pela TV. E, é óbvio, me emocionei.

Como muita gente da minha geração - acho que a maioria, mesmo -, cresci ouvindo Roberto Carlos. Ele está lá nas memórias de infância em vários momentos e de várias formas: no toca-discos (LPs, para quem não se lembra), no Fantástico, na voz de outros cantores e cantoras, como Maria Bethânia.

Na faculdade, porém, cursando jornalismo na USP, ainda em meio ao clima das Diretas-Já, o negócio era ouvir o que estivesse à esquerda, como Chico Buarque e Milton Nascimento. Muita coisa levava, então, o carimbo de "brega" ou, pior, "alienante".

A reconciliação veio ali pelo final da década de 1990, mais ou menos na época do lançamento do Roberto Carlos: Acústico MTV. O álbum foi lançado em 2001 e, apesar de não ter alcançado grande penetração entre os fãs tradicionais do cantor, foi muito bem recebido pela crítica especializada, além de servir bem à tentativa de aproximá-lo novamente do público jovem.

Nessa época, eu já era capaz de comprar briga com quem negasse que "Detalhes" é uma obra-prima. Buscava argumentos sólidos para defender o "rei", mas ainda estava um pouco distante da melhor experiência em relação a suas músicas; era algo predominantemente racional.

Apenas recentemente criei com Roberto Carlos um diálogo mais emocional e, portanto, mais intenso, ao ponto de tomar a liberdade de fazer minhas as palavras dele. Acho que é assim mesmo: para aproveitar o que há de bom nesse cantor e compositor tão popular é preciso deixar os preconceitos da juventude para trás. E não só: é preciso estar com os dois pés na vida adulta, ter muitas vezes a cabeça cheia de problemas, saber bem o que é uma alegria triste e já ter encontrado essa paz infinita do depois.

É claro que, volta e meia, levo a pecha de brega. Tudo bem. Nessas horas, não há como não lembrar os versos de Fernando Pessoa, que disse para quem quisesse ouvir que todas as cartas de amor são ridículas: "Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Também escrevi em meu tempo cartas de amor, como as outras, ridículas. As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas. Mas, afinal, só as criaturas que nunca escreveram cartas de amor é que são ridículas".